“O cérebro é a mais complexa estrutura biológica conhecida”, “O cérebro é altamente sofisticado, misterioso e fascinante”, “O cérebro humano é a estrutura mais complexa do universo”. Ouvimos afirmações como essas o tempo todo e elas não estão erradas. O cérebro é realmente fantástico, mas ele não é livre de “defeitos”.
Já vimos como é difícil adotar uma solução mais eficiente quando já memorizamos uma forma específica de resolver determinado problema. Vimos também como uma sugestão prévia pode enganar nosso cérebro quando precisamos tomar decisões.
Neste artigo vamos falar sobre outro problema: o pouco valor que damos ao futuro em virtude do desconto hiperbólico.
O que é
Desconto hiperbólico é basicamente a predileção que o cérebro tem por uma recompensa
imediata ao invés de uma recompensa maior, mas futura.
É provável que esse comportamento esteja ligado ao instinto de sobrevivência humano: é preferível receber a recompensa agora pois não é certo que estaremos vivos para receber ela no futuro. Outra possível raiz para esse defeito é não sermos capazes de imaginar o futuro tão bem quanto podemos perceber o presente, fazendo do futuro menos real ou importante.
Vamos usar um exemplo para ficar mais claro. O que você prefere: receber R$ 100 agora ou R$ 110 amanhã ? Estatisticamente a maior parte das pessoas vai preferir receber os R$ 100 agora. Isso ocorre porque nosso cérebro entende que R$ 110 no futuro tem “menos valor” que R$100 agora: nós damos um desconto para a recompensa que só vem no futuro, diminuindo seu valor. Obviamente 110 é maior que 100 e analisando friamente faz muito mais sentido pegar os 110 amanhã.
Pelo exemplo acima, deu para entender o desconto, mas de onde vem o “hiperbólico” ? Pesquisas feitas para avaliar esse viés cognitivo mostram que nosso desconto diminui se os momentos de recebimento das recompensas estão mais no futuro. Retomando o exemplo anterior, o que você prefere: receber R$100 daqui 30 dias ou R$110 daqui 31 dias ? Nesse caso o desconto se aplica a ambas recompensas e vamos preferir esperar os 31 dias, mesmo que a diferença entre os 2 recebimentos seja a mesma do exemplo anterior: apenas 1 dia.
Implicações
O desconto hiperbólico pode ser reconhecido em diversas situações do dia-a-dia. Quando começamos uma dieta, por exemplo, enfrentamos constantemente situações nas quais comparamos o valor que o resultado da dieta nos trará no futuro com o prazer de comer um bolo de chocolate agora. A recompensa da dieta está lá no futuro, então a descontamos a ponto do seu valor ficar menor que o prazer de comer o bolo agora.
Outra importante implicação é poupar dinheiro para a aposentadoria. Os prazeres proporcionados pelo uso do dinheiro agora ficam maiores que o benefício de guardá-lo para usufruir de um futuro tranquilo.
Ainda em finanças, o uso do cartão de crédito ou do cheque especial são grandes catalisadores de descontos hiperbólicos. Queremos adquirir algo mas não temos dinheiro. Ao invés de esperar para conseguirmos o dinheiro e comprar o item, nós usamos o cartão, ou cheque especial, e o compramos agora, mesmo que isso implique em pagar juros no futuro.
É possível associar o desconto hiperbólico à procrastinação. Por exemplo, se precisamos lavar os pratos e podemos fazê-lo agora ou amanhã, é provável que escolheremos a segunda opção. Nesse caso o “desconforto” de lavar os pratos no futuro é descontado e fica menor que o desconforto de desempenhar essa atividade agora.
Existem diversas outras implicações que vão desde nosso comprometimento em melhorar o condicionamento físico quanto a atitude da humanidade frente ao aquecimento global.
Como combater
Não é fácil evitar essa falha do pensamento humano, ela se manifesta sem que percebamos. De forma geral, precisamos raciocinar friamente e usar senso crítico.
Porém, dependendo de cada situação, podemos aplicar diferentes estratégias a nosso favor. Uma possibilidade é analisar a situação como se não fosse nossa e sim a de um amigo próximo. Voltando ao exemplo do 100 ou 110 reais, é mais fácil sugerir a um amigo esperar um dia a mais para ter os 110 do que decidir o mesmo por nós mesmos. Nos tirar da equação facilita a tomada de decisão.
Criar uma relação com o seu “eu do futuro” também ajuda a evitar decisões prejudiciais a longo prazo. Pesquisadores usaram um programa de computador para envelhecer as feições de voluntários que, após verem seu “eu do futuro”, se mostraram mais propensos a economizar dinheiro para aposentadoria.
Nos casos de procrastinação existem diversas estratégias como: definir prazos para concluir nossas atividades, focar no processo ao invés do resultado final ou usar “dispositivos de comprometimento” (como pagar adiantado a academia para ajudar a comparecer, do contrário estaremos perdendo dinheiro).
