Em 1982, Sylvia Orthof lançou um livro infantil chamado “Maria-vai-com-as-outras” (clique aqui para conhecer a origem dessa expressão). Resumo o livro abaixo em 2 tweets:
Se as outras ovelhas fossem ao polo sul, Maria ia, mesmo com frio. Se fossem para o deserto, Maria ia, mesmo sentindo calor. Se fossem comer jiló, Maria comia, mesmo sem gostar. Um dia Maria passou a pensar por si e não seguiu mais as furadas das outras.
Sylvia dessa forma explicou às crianças a necessidade de pensar por si próprias, analisar cada situação e decidir o que é melhor para nós. Infelizmente essa lição não foi completamente aprendida e nós, já crescidos, ainda tomamos decisões impulsionados pelas escolhas dos outros.
Quantas vezes, quando criança, ao ser repreendido por algum malfeito você respondeu à sua mãe “Eu fiz porque estava todo mundo fazendo!” e ela te perguntou: “Se todos pulassem de uma ponte, você pularia também ?”.
Comportamento de Manada
Comportamento de manada é o comportamento de grupos de indivíduos que agem em conjunto sem nenhum planejamento prévio. Esse termo se refere ao comportamento de alcateia de lobos, rebanhos, bandos de pássaros e também de seres humanos quando envolvidos, por exemplo, em tumultos, manifestações, encontros religiosos e eventos esportivos. É possível observar esse efeito também quando tomamos decisões, fazemos julgamentos e formamos nossas opiniões. Esse comportamento é muitas vezes explicado pelo medo que temos de não sermos aceitos pelo grupo, sendo melhor agir como todos estão agindo do que fazer diferente e correr o risco de não ser aceito.
Esse comportamento pode tomar várias formas como imitação do grupo, conformar com a “pressão” de outros indivíduos do grupo (seus pares), mostrar obediência aos mais velhos, líderes ou experts. Esse último caso, obediência a líderes, pode nos levar a casos extremos conforme podemos notar na experiência feita por Stanley Migram (vídeo).
Em animais é possível identificar o comportamento de manada quando observamos um grupo fugindo de um predador. Conforme observado pelo biólogo W.D. Hamilton, cada membro do grupo diminui seu risco individual ao se movimentar para o centro do grupo. Dessa forma, a manada parece uma unidade movendo em conjunto, porém, isso só acontece em virtude do comportamento não coordenado de cada indivíduo.
Conformidade
Esse vídeo foi motivado pelo experimento de Solomon Asch realizado em 1951. Nesse estudo 8 pessoas se sentavam em uma mesa para responder perguntas sobre percepção visual. Eram mostradas ao grupo imagens nas quais, de um lado há uma linha vertical e do outro três outras linhas nomeadas 1, 2 e 3. A tarefa era olhar para a reta da esquerda e dizer, em voz alta, qual das linhas da direita se parece mais com a primeira. Os participantes tinham que dar sua resposta em ordem, ou seja, o primeiro da mesa dava sua resposta em voz alta, em seguida o segundo e continuava assim até o último. O que ocorria é que, dos 8 supostos voluntários, 7 eram atores e a maioria deles estava sentada de forma a darem suas respostas antes do único voluntário verdadeiro. Em alguns testes os atores deram a resposta correta, porém, em outros, eles foram instruídos a dar, de propósito, uma mesma resposta incorreta. Após 12 testes, 75% dos voluntários deu a mesma resposta do grupo pelo menos uma vez, mesmo que fosse claro que essa era a resposta errada.
Outros exemplos
Robert Cialdini, professor emérito de psicologia e marketing da universidade de Arizona/EUA e autor do livro “As armas da persuasão”, fez um experimento para avaliar como fazer com que os moradores de um bairro economizassem energia em suas casas. Ele e sua equipe penduraram placas nas portas de várias casas do bairro e mediram o uso de energia no mês seguinte. Foram testadas placas com 4 diferentes frases:
- Por favor, reduza o gasto de energia em sua casa, a fim de reduzir o consumo de recursos no planeta
- Por favor, reduza o gasto de energia em sua casa e economize dinheiro em sua conta no final do mês
- Por favor, reduza o gasto de energia em sua casa para que as gerações seguintes (seus filhos e netos) tenham acesso a esses recursos no futuro
- A maioria de seus vizinhos está reduzindo o consumo de energia em suas casas, por favor faça o mesmo
Pelo assunto que estamos tratando aqui neste post você já adivinhou qual das frases teve efeito não é mesmo ? A única frase que fez efeito foi a última. Os pesquisadores também entrevistaram outras pessoas no bairro para saber qual das 4 frases os entrevistados achavam que faria o maior efeito. A frase 4 foi a que as pessoas menos consideravam como efetiva. Ou seja, nós agimos influenciados pelos outros mas não gostamos de admitir isso.
Dan Ariely, no livro “Previsivelmente Irracional”, nos dá outro exemplo do comportamento de manada. Imagine que você está procurando um restaurante para jantar. Você passa próximo a um restaurante que tem uma pessoa na fila. Como há gente na fila você assume que esse restaurante é bom e fica na fila também. Com isso outras pessoas imitam sua atitude imaginando se tratar de um ótimo restaurante e a fila cresce. Talvez exista ao lado desse restaurante, um outro tão bom quanto ou melhor, porém, a decisão da primeira pessoa vai acabar determinando o fracasso deste estabelecimento e o sucesso do outro.
Quando falamos do mercado de ações é possível reconhecer o mesmo comportamento de manada se analisarmos as bolhas e as “quebras”. Quando muitos acionistas começam a comprar uma mesma ação vários outros tendem a segui-los, imaginando que os primeiros estão corretos e que um grande lucro virá da compra das ações. Isso ocorre mesmo que a maioria dos compradores não tenha qualquer informação que sustente sua opção por comprar. O mesmo ocorre quando há uma venda em massa de ações de uma mesma companhia: outros tendem a seguir vendendo mesmo sem informação alguma sobre a razão desse comportamento, levados pelo medo de perder dinheiro.
Como escapar ?
Comportarmos como os outros não é necessariamente ruim, existem situações nas quais isso pode até salvar nossas vidas. Porém, precisamos ficar atentos e analisar cada caso: deixar que os outros pensem por nós também pode ser muito prejudicial.
No experimento de Asch, quando um dos atores dava a resposta correta e os outros não, o voluntário, na maioria das vezes, também dava a resposta correta, indo contra a maioria. Avaliar outras perspectivas disponíveis nos ajuda a escapar da armadilha da manada.
Outra forma é escolher bem nossa manada. Se nos cercarmos de pessoas que confiamos, admiramos e que compartilham dos nossos objetivos e valores, segui-los pode não ser uma má escolha.
Não pule de uma ponte só porque todos estão pulando. Escolha com cuidado as pontes das quais vale a pena pular.